20/08/2011
No meio dos dois
Tinha um cara no meio da Chuva. No meio de raios, casas, lojas fechando, pessoas ensandecidas, brigas localizadas, discussões cotidianas, tinha um cara.
Na sua cabeça, o mundo dava 180 voltas por segundo. No coração, era tanta sístole e diástole que o mundo ia explodir. Mas ir até o fim é uma dessas coisas que a gente toma como meta na vida. “Já vai desistir? Ainda é cedo, tem muita água pra rolar em baixo dessa ponte. Vai até o fim.” E a gente vai. E ele vai.
Na casa dela têm dois vasos de plantas perfeitas e pratos lascados. Seus pés doem, mas ninguém se importa. Dor é só a conseqüência. O tapete de dizeres “Bem vindo” vai feder a cachorro, têm litros de água jorrando das suas calças, mas é ali em baixo que fica a chave.
Têm fotos de três caras na parede, um é o pai dela com bigode revirado, e os outros dois, ídolos com QI superior às notas dele no primário. Mais água que nas calças, só nas palmas das mãos do cara parado no meio da sala. Ela não está.
Hoje ela nem tinha inglês. Também não era dia do analista, então o que será? No meio da corrente de pensamentos desconexos dele, eis que surge a camiseta branca ganha no natal de chinelas de dedo e coque desgrenhado.
Mudez se instala na sala, a língua some dentro a boca e a água do corpo todo vai pros pés. Um cara mudo, molhado e pregado sobre um tapete rosa peludo cogita se jogar pela janela, mesmo sendo um bloco de concreto.
Palavras como “o que faz aqui?”, “como conseguiu entrar?”, são jogadas inutilmente no ar pesado e quase palpável no quinto apartamento da direita pra esquerda no sétimo andar daquele prédio de vista pro mar.
Em um tempo onde nunca há precisão, ele se desculpa, assim meio gago, pedindo uma chance pra falar, mesmo que já falando. Ela cruza os braços e ouve coisas como por que foi pra tão longe, o que se cravou igual espada e tão difícil de tirar como espinho fino, mas é grosso, igual esse teu olhar, o que é que foi feito da gente? Todo dia quando eu acordo tem um pedaço lá meu que nem se meche, fica estático e morto e podre no meio das minhas cobertas de linho barato. Entendeu? Estou morrendo descontroladamente, e nem tenho doença nenhuma, o médico disse que é stress, mas tenho todos os cabelos na cabeça, nenhum dinheiro no bolso e uma coisa qualquer minha suja que não tem nome jogada na cama. O que é que eu faço?
Depois das palavras todas boiando, um queixo caído e uma incapacidade súbita de mergulhar por dentro de olhos, o silêncio ocupa seu espaço de direito na sala de móveis caros e cortinas suíças.
Uma boca se move, assim tímida. De repente, um estrondo. Pode ser por um raio, pelo forte vento lá fora, ou pelas unhas secas indo cada vez mais fundo por dentro da palma de uma mão molhada. Depois, o barulho oco de uma madeira encontrando outra e o caminhar descompassado de um all star preto no chão batido, quase inaudível, selou os quilômetros que agora se instalavam ali, bem no meio do peito do cara. O que ele nunca soube, é se dentro do peito dela qualquer coisa habitava.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário