10/10/2009

Assombrada


Todos aqueles vultos a rodeavam aparentemente sem propósito. Alguns pareciam calmos, como se simplesmente estivessem passeando. Outros agitados. Mas ela já previra que essa casa nova seria assim. “Nova” somente para sua família, porque ali já haviam morado muitas pessoas. E morrido também.
Por que ninguém ouvia seus sonhos? Ela sonhou diversas vezes. E agora queria os fazer parar. Como poderia dividir sua casa com tanta gente? Mortos ou vivos, eram pessoas. E não era uma boa recepção. O pior de tudo é que ninguém mais os via. Simplesmente diziam que ela estava assombrada, louca, e que não via coisa alguma. Por que logo com ela? O que ela havia feito de tão ruim assim? Só por que não era tão católica quanto os outros não merecia esse martírio. Sempre foi a esquisita da família, mas isso já era de mais.
Ela olhava para todos aqueles fantasmas há duas semanas. E sabia o que eles queriam. Que ela desistisse, fosse embora e levasse sua família consigo. Bem que eles podiam ser mais amigos. Bom, ela sabia que ou era ela, ou eles. Se eles não estivessem mortos, ela os matava. Ela já havia tentado de tudo, encheu a casa de cruzes, água benta e de nada adiantou. Sabia que o demônio estava com ela. E que não a abandonaria enquanto ela não se livrasse daqueles antigos inquilinos grudentos.
Era noite de lua cheia e ela sabia o que fazer. Ou era a noite de festa, ou a noite de sua morte. Ganhar ou perder. Sem outra saída, ela juntou tudo que acreditava precisar. Queria exorcizar todos aqueles fantasmas. Quem sabe ela tinha mais mediunidade que os outros. Tanto faz. O que importa não é porque eles estavam ali, e sim porque ela queria os mandar embora. Falou algumas palavras. Todos pareciam agitados aquela noite, parece que lua cheia não é a preferida deles. Bom, puderam ficar por séculos ali, estava na hora de eles também se mudarem.
Ela fez um círculo improvisado. Não queria que ninguém ouvisse o que fazia. Todos dormiam enquanto ela apertava forte uma cruz que tinha ao seu lado, e disse as palavras novamente. Seus olhos pareciam sedentos pelo sumiço de todos aqueles, mesmo que ela nunca foi alguém vingativo, simplesmente queria paz, e merecia isso. Olhou para cima, imaginando que algum buraco se abriria no céu. Tanto faz, qualquer portal que coubesse todos aqueles chatos. Eles pareciam furiosos e os moveis da casa começaram a se mexer. Droga. Todos iriam se acordar a alguns instantes. Disse as palavras o mais alto que pode, e sentiu alguma energia surgir no ar. Os fantasmas não pareciam nada felizes. E jogaram a TV em cima dela.
Ela correu pra baixo do sofá e só ouvia dali o show de horrores que estava acontecendo. Vários gritos ensurdecedores. E lágrimas escorriam de seus olhos. Até que eles se apagaram.
Já acordada, sabia que algo muito estranho havia acontecido. Como se ela tivesse viajado até o mundo dos mortos e voltado, toda arranhada. Só que ninguém mais ouviu nada. E todos os fantasmas haviam ido embora. No outro dia, toda cidade falava que ela havia apanhado. Mas nem ligava. O mais importante é que agora tinha paz. E esse era o seu segredo. Seu e dos seres do outro mundo.

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