28/04/2012

Os textos raros de sempre

Você não escreve mais como antes. Agora é como se não mais falasse nos caras que arruinaram a tua vida e te rejeitaram e te tornaram uma criatura amarga de mais pra suportar qualquer outra aproximação, e nem parece tão dramática ou solitária com teu sorriso disfarçado que ainda existe apesar de você ser agora alguém em quem esse sorriso se encaixa. Que estranho. Você não reclama mais a beleza que vê na feiura e fica difícil te imaginar com chocolate lendo textos clichês e jurando que eles são todos pra você. Você até parou de escrever que é exclusivamente a guria que se decepcionou por querer e gostar sempre a mais que o permitido pelas leis do mundo frio e cruel que cerca tua casinha de amores mal construídos. Você parece se interessar pelos mesmos caras socialmente compatíveis e contar as mesmas piadas sobre como exercícios físicos se tornam menos suportáveis ao passo em que você conhece autores melhores e lê em dois dias livros investigativos até pular pra mais contos ultra-românticos que te fazem suspirar coisas que nunca viveu. Mas, de qualquer jeito, queria ver você escrevendo de novo tristezas inconsoláveis, cálidas, trágicas com esse jeito classe média que sofre sem nunca ter passado por nada verdadeiramente ruim. Queria ler de novo no teu riso fatigado que já envelheceu alguns tons, frases decepcionadas de quem sempre esperou e confiou sem receber garantia. Quero de novo te admirar sem saber porque vendo respingado nos teus textos vontades inóspitas de realidade, que se escondem igualmente irreais no fundo turvo do teu olhar negro de saudades. Acho bonito você se sentir anormal sem ver a beleza de se ver refletido na falta que faz alguém. Quero chorar sem admitir os teus mesmos fins infelizes que se repetem ao longo dos meses e hoje quase não existem, porque você anda ocupada de mais correspondendo a expectativas que nem são suas. Quero te ver criticando todos os homens do mundo por conta de um só com impressionantes apresso e ódio confundidos em linhas mal pontuadas que não tem como prioridade seguir com destreza acentuação ou concordância. Só espero que algum dia desses você consiga atingir de novo alguém com teu jeito quase rebuscado de dizer clichês que já dizem tudo, com a mesma honestidade e clareza e incompletude de sempre, procurando chegar com palavras ao patamar superior onde vivem os teus deuses em estátuas de ouro que sabem ferir. Espero que você volte a ser única justamente onde é só mais uma, que escreva procurando nas ruelas tortas das palavras pelo modo como é quando quer mais do que pode alguém.

18/04/2012


Os faraós dançam, os poetas gritam e Deus chora em um canto da sala, mas todos estão mortos. A poesia e a religião estão sepultadas ao lado de todos os românticos e seus mundos feitos de nuvens, de onde enxergam tudo e tocam em nada.
Num poeta há qualquer coisa de desesperador, uma urgência de quem sabe que morre todo dia aos poucos e não há chance de reversão. Os poemas silenciam pedaços inteiros de ideias, calam a parte mais bela das paixões, pois o ponto que se pinga em uma frase inconclusa leva o leitor a conclusões ainda mais lindas. Poeta é um mágico que tem como truque levar a outra dimensão - que só fica interessante quando desenhada em palavras concretas - o homem seu igual que não tem tempo de voar. Mas no fundo todo mundo carrega poesia, um interesse pela pureza das coisas que não se sente naturalmente. É preciso imaginar. Cambaleamos pelo deserto das ruas a procurar inúteis certezas na banalidade das coisas que não nos preenchem. No fundo de todos os mistérios, moram nossas criações e medos pra afastarmos nós próprios do quão assustador é atingir um objetivo, e ter um dia um vazio que já foi preenchido. Mora em toda grosseria um amor mau acolhido, um medo de ter e perder.

13/04/2012

Abandono em cada canto um pedaço meu que não foi verdade. Têm monstros que moram em mim que nem ao menos conheço, e anjos meus que se escondem pelas carnes. Todos eles têm medo dos meus olhos atentos, e tenho eu ora medo de descobri-los, ora vontade de descobrir-me. Se nem bem eu sei o que me cerca e me atormenta, tampouco o que me habita, como ouso pedir que me entendam? Por que insisto em querer que me leiam? Por que não calo esses gritos incompreensíveis que abandonam minha boca de encontro ao eterno buraco do ininteligível?
Procuro nos meus guardados pensamentos que consolem e tudo se confunde cada vez mais. Escrevo por mim, guria que no espelho me parece deslocada de uma realidade presente, pelos meus tormentos, pra te esquecer. Te eternizar é mero acaso.
Escrevo pra fugir do tema, pra não ter foco, pra ter a cara que quiser e não essa massa pálida de olhos grandes e fundos sem saber por quê. Escrevo pra me guardar um pouquinho a cada dia antes de submergir no mar do tempo. Quero deixar-me por aí mesmo sem importância, mesmo sem caber no mundo de ninguém.

A vida das baratas e uma crítica qualquer


Não tenho inspiração, é tarde e o sol vai se reduzindo enquanto em outro lugar do mundo é manhã cedo. As pessoas vivem ao redor da vida umas das outras, penso, vão a festas, mostram-se empolgadas e são tristes. Eu não sou ninguém e aguardo calmamente que os risos que são bolhas de sabão explodam e me deixem dormir. Sirvo um suco, como mortadela e pão e os vizinhos malham multiplicando o odor dos corredores. As baratas com suas minúsculas pernas movimentam sua massa suja pelo meio-fio sempre em frente enquanto eu cuido do quão inútil é cuidar a vida de alguém. Guardo palavrões e a vontade de expor verdades graças aos princípios da escrita refinada, ouso ser sutil, mas as verdades permanecem dentro ou fora de belas frases. As cenas se repetem e nenhum rosto marca na minha mente atulhada de resquícios não-utilizáveis de tudo que eu escrevi, li e quis e hoje é plano de fundo de novas expectativas muito provavelmente sem serventia. As pessoas seguem esperando milagres enquanto a vida corre sob seus narizes. Vocês são todos iguais e não me deixam sonhar e esquecer que sou idêntica a qualquer um. Deito e durmo e grito me deixem em paz, vocês não tem nada pra ver aqui.

02/04/2012


O fantasma da guria que eu fui corre solto nos quintais da minha infância. Almejo tanto ter devolvida aquela liberdade, que só é sentida na brisa da impressão do amor. Que triste fim o da realidade, que faz crescer as crianças, de insignificantes os loucos e sozinhos os poetas. E que triste infortúnio que até o amor cresce, chamando de mãe a cabeça e não o peito, que a imaginação me devolve a infância com rosto de homem, me tira o chão, por preciosos raros meses. Dá-me depois a realidade, devolvendo-me o chão e as tristezas. Tenho de novo oitenta anos.