Nunca pronunciava-se sobre aqueles que a esquecerem e cuspiram nas faces
palavras indóceis ou, pior de tudo, que, sem aviso prévio - fora esse
pressentimento agoniante que a assolou por dias-, disseram até logo para nunca
mais voltar. E jurou nunca escrever sobre ele, e esquecê-lo entre memórias em
sépia, ou esqueceu de jurar justamente para não ter de policiar mais uma área
do pensamento, que esse seu jeito de apagá-lo a cada minuto é nada além de
mantê-lo, definitivo, em infindáveis noites de insonia rindo convencido de
tê-la para si ainda por muito anos. Então o odeia pelo tempo necessário para
sentir-se tola e jurar esquecê-lo, para rememorar-se em seu esquecimento febril
de seus mínimos gestos e trejeitos. E diz assim que ele a levou
uma crença abstrata que lhe nutria os dias de que tudo no fim dava certo, e
passou a querê-lo já sem esperanças. E fica assim um cheiro de flores mortas
sangue seco insetos esmagados entre os lençóis, livros, cadernos e alimentos
como se tudo no quarto estivesse lenta e compassivamente destroçando-se. É que
há tanto tempo o peito pequeno já não arfa com romantismos antigos nem os
lábios finos proferem versos de Florbela ou Neruda que anda entristecida
procurando explicações religiosas budismos espíritos e débitos antigos
imemoráveis para não abandonar a si, mesmo que no fundo desconfie, graças a
essas evidências mortes súbitas coletivas e abandonos inexplicáveis que Deus
tenha morrido há alguns séculos em algum buraco da africa setentrional. E com a
calma aparente de sempre disse-me que está presa as suas palavras ídolos
literatura, e que a liberdade deve ser algo como vagar sem ninguém, sem nunca
ter amado ou conhecido a dor, ou talvez tomado pela doença do esquecimento, sem
buscar resposta alguma. Que as certezas nos apreendem como os feitos cotidianos
pra fugir de si. E disse tantas outras coisas já tão velhas como só sei
escrever sobre mim e quando morrer vou existir, morrer de amor é a derradeira
libertação.