08/07/2012

Outros Tempos

Sou o mesmo cara observando os carros raros e lentos percorrerem a rua principal enquanto garotinhos observam, encantados, as pernas das putas. Há prazer nisso tudo, na forma em que as pernas são expostas no meio fio e o dinheiro é o único capaz de modificar o cenário. Os velhos passam, buzinam, elas guincham em risos exagerados os cigarros e conhaques que enfim poderão obter, pois o inverno adentra lentamente os portões da pequena cidade, em marcha implacável anunciada no jornal local. As ruas possuem o mesmo fluxo, as moças têm suas delicadezas guardadas e com seus cadernos em punho - após saírem de colégios católicos - e saias curtas, pressagiam, indiscretas, a passagem de rapazes loiros, musculosos, indiferentes.  A infância corre tão curta, desfilando nesse final de outono como todas as flores que tombam, secas e escuras, das árvores que de repente desfolham. As garotinhas, com suas tramas e histórias, parecem bonecas expostas em tristes vitrines, que em um futuro próximo farão parte da vida de incompletas adultas. Sigo escrevendo como se as moças corassem e fossem belas e puras como a aurora, ao mesmo tempo que sagazes a contrariarem a opinião torta dos homens, incapazes de enxergar as coisas por inteiro. E então pergunto-me: Onde estão todos os suicidas, escritores, ceguinhos - estes que veem em uma pedra lisa as asperezas da estrada desses caminhos que percorrem sozinhos? Onde moram as moças que nas fotos das paredes úmidas na sala de minha tia-avó, têm nos olhos parados a vaziez da espera? Onde estão as pessoas que fazem quem opta por solidão mudar de ideia? Onde está a obscenidade da nudez, que hoje é tédio nos carnavais? Onde estão as amarras das bocas dos padres, que aqui não tem o que pregar? Porém, nada disso aparenta importância enquanto os carros andam, os garotinhos olham, as putas guincham, os velhos pagam.

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