18/07/2012

Entre o angustiante e o insano



Tenho medo é da inspiração tardia, da tristeza improdutiva e do amor que não sinto. A angústia, semelhante a essas gentes cuja presença se acostume e tolera, contudo sempre a desejar calmamente que dê uma trégua, acomoda-se na poltrona e exige chá com uma boa reflexão que a procrie. Tenho medo mesmo é dessa paisagem interna que me absorve e, sempre que acordo, um tanto da vida passou. A companheira sorri e diz: eu não passo, eu fico. Tenho uma secura na boca, reviramento no estômago, os olhos tardios e parados, meio mortos, postos na discrepância, no inóspito e desinteressante. A velhice que os habita parece sempre pronunciar: tudo bem, podem ir, eu espero. Meus lábios movem-se num monólogo: tenho mesmo os olhos fechados, as pálpebras enegrecidas, as mãos paradas e frias postas sobre o colo, algodões a impedir que se desfaçam os pedaços. Esse é o retrato da minha alma. A angústia, em risadas convulsivas, satisfaz-se como num banquete, onde os corvos tocam clarineta enquanto o velório prossegue. Minha escrita de mau gosto satisfaz-me - e a ela  também -, então tudo vai bem. Respiro, e percebo quase com alegria que ainda o faço, enquanto minha imaginação volta para seu quartinho escuro, nos fundos de uma insana casa que curiosamente nunca explode. Os lampejos ocorrem-me e embebedo-me neles mesmo que custem horas de sono e psicanálise. E, além disso, reprimir os próprios demônios deve ser mesmo muito triste.

2 comentários:

  1. nossa... fiquei sem fala agora.
    Amei como você escreveu sobre os medos.
    Palavras fortes jogadas pelo contexto que só me faz te admirar como escritora.
    Para mim, a melhor parte está no desfecho. "Reprimir os próprios demônios deve ser mesmo muito triste".
    Felipe Guasti
    blog.felipeguasti.com.br

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  2. Fiz um desenho em sua homenagem. Não sei porque, mas lembrei do seu texto.
    Um abração

    Felipe Guasti
    www.felipeguasti.com.br

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