04/06/2012

As entrelinhas do meu silêncio

Você me sorri, um riso sincero de dentes manchados, afinal tantos cafés, pouca grana pra dentista, afinal tanto tempo, e pergunto um tanto sem jeito porque é que você não escreve mais. Bem, você fala, escrever não é assim como andar de bicicleta ou nadar: a gente vai perdendo o jeito. E pergunta, apático, o que aconteceu que nunca mais liguei. Por um instante penso que estranho impulso me levou a tua casa e a alguma vez em uma vida inteira arriscar-me a demonstrar qualquer coisa, senão a conhecida indiferença da qual compartilhamos em nossas faces pálidas. Pra responder, depois disso, que simplesmente não sei. Meu interesse, após provocado, adormece em alguma parte minha que nunca se reconhece frágil e jamais se rende, mesmo que reclame por noites inteiras a solidão com a qual não sabe lidar. Você ri mais uma vez e me conhece de tal forma que não me surpreenderia se soubesse que nesse exato momento cruzo os olhos por cada detalhe da tua sala-de-estar procurando, entre a poeira que cobre teus móveis, qualquer mudança que indique teu envolvimento com outra pessoa. Você questiona se quero sentar, ou um chá, talvez um café bem forte, do jeito que eu gosto, e parecemos tão civilizadamente distantes que cogito sair correndo pela tua porta na qual há poucos instantes bati. Falo não, obrigada, estou bem assim, já um tanto hesitante, e uma das tuas sobrancelhas se ergue perguntando em teu lugar o que diabos eu estou fazendo. Não sei, diria mais uma vez e, a cada instante que transcorre, de forma mais insegura. Logo eu, que jamais fora impulsiva ou remotamente inconsequente, logo eu, que por tantas vezes escrevi o que mesmo depois de tanto tempo, várias leituras, milhares de tentativas, conseguiria por fim transpor aos ouvidos de alguém. Você segue parado, em pé, desconfortavelmente posto entre todas as minhas tramas, histórias, escudos e a porta para a qual momentaneamente olhamos os dois, de forma cúmplice e cordial, e para a qual caminho, silenciosa e envergonhada. Você diz foi um prazer te ver, é uma pena que. E tenho, mais do que todas as coisas, uma imensa e abismal pena do irremediável fim sem ponto final que mora em todas as nossas entrelinhas.

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