31/05/2012

A noite é fria e a lua dista dos meus olhos, que são dois meninozinhos sujos de terra a procurar na discrepância da lama onde afundam meus pés, diamantes cravejados de sinceridade, inexistente nos dias que correm. No meio da roda feita de rosas mortas que cercam meu muro a evitar aproximações, você me sorri como fez outrora, e em minha mente sobrecarregada e infiel tua imagem ganha a tonalidade amarela, a substituir as rugas que nem chegaste a ter. Tuas suposições de que não passo de alguém com medo usando das precárias armas que tem, expressas numa noite sem lua, tornam a vida algo próximo do suportável. Teu jeito de rir sem mostrar os dentes proíbem-me ver que ao meu redor os livros caem das estantes e as pessoas são cobertas por terra, culpadas sem julgamento pela diferença que possuem das demais. A terra treme e engole as pessoas que seguem lotando caixas de super-mercados e campos de futebol. Paga-se por pão e circo sem a percepção dos verdadeiros palhaços. Esqueço tudo isso enquanto houverem poetas, discordância de opiniões, mãos capazes de folhearem até amarelas se tornarem as páginas de livros e sonhos a serem enumerados em meus cadernos. Não acreditarei nas coisas como se apresentam, em lenta morte decadente, enquanto houverem amores recíprocos, brigas que envolvam o intelecto e excluam armas de fogo. Enquanto estiver envolvida na tentativa de transpor a alguém o indizível, as palavras me sustentarão na linha tênue entre o mundo latente em um turbilhão desordenado lá fora e as ideias que me fazem sentir, assim como te sinto, irremediavelmente viva pra sempre.

22/05/2012

Escrevo, por vezes, com mais beleza que verdade - e são feias e duras minhas verdades. Procuro sinceridade nas pessoas e acho em tão poucas que é triste. Todos cercam castelos de cartas com um imperador grandioso em forma de dólar americano em seu topo enquanto atravessam as ruas e suas cabeças explodem, mas suas vozes de alguma forma mantem-se nas bocas ensanguentadas proferindo palavras de ordem. Seus neurônios se extinguiram um a um por falta de uso e todos riem gargalhadas cínicas de apreço por seu superior. Não consigo pensar no quão elitista seria uma grande bomba que finalmente os calasse e me permitisse desacreditar em tudo sem frustração - se tudo fosse nada -, e em quão satisfatório seria se. Sou assim porque não posso matar ninguém e invejo as ingenuidades e as loucuras, que mantém as pessoas distantes do que são realmente as outras. Desaprendi esse jeito alheio de fingir serem importantes as amenidades que tornam as coisas todas aceitáveis e menos odiáveis do que meus olhos descrentes vislumbram. Olhos estes que percorrem os lençóis, escassos móveis da cozinha e ladrilhos sujos, observando a lenta marcha dos insetos de encontro ao não-inteligível de seu destino e, portanto, palpável e real. Invejo, por fim, todas as coisas existentes que não têm consciência de si próprias, da enormidade do mundo e das imbecilidades nele presentes.

02/05/2012

Sobre crônicas e garotas

Abro a janela, afasto a cortinas e vislumbro a calmaria das ruas de um domingo para o qual todos já têm planos. Uma moça bem vestida atravessa a rua por entre os carros que esperam abrir o sinal. Seus passos têm a firmeza necessária para derreter homens fortes, a determinação misturada ao céu dos olhos capaz de coagir os mais seguros rapazes. A peculiaridade no farfalhar de suas saias, os cachos perfeitamente alinhados que tocam a fineza da cintura bem-desenhada e a boca colorida por marcante vermelho-vivo, causam-me fascínio e torpor. O vento lhe encurta as saias e afasta os cabelos do dorso branco, recebendo sua indiferença igualmente dedicada aos pais de família, senhores idosos e moças que desejam a si próprias igual vitalidade. De meu pouco entendimento de seus segredos retiro inspiração para a crônica de segunda-feira que passará em branco aos olhos de muita gente e será talvez a cama onde dormitará um mendigo ou receberá em suas cuidadosamente escolhidas palavras dejetos de um animal doméstico qualquer. A moça que cruza minha rua nesse instante sem que eu saiba nunca de encontro a que destino, desconhece a poesia contida na brandura de seus atos que não a aprisionam em definição alguma. Quem sabe que pensamentos moram atrás dos olhos que recusam-se a luz por milésimos de segundo antes de mostrarem-se novamente azuis e vivos como nunca foram aos olhos imprecisos de um admirador? Seus passos firmes a mantém encantando as ruas adormecidas da cidade, enquanto todos fazem alguma coisa infinitamente mais útil que sonhar.