19/08/2012

“Mergulhar em alívio no buraco negro meu de bicho vil, no meu pedantismo de animal aculturado. Para sempre: ir.”


Essa é minha vontade: te ligar todas as noites, o travesseiro empapado, o suor e as lágrimas mistos em branquíssimos lençóis, e ouvir a mesma caixa postal na qual um recado qualquer poderia ser deixado e jamais respondido. Só pra assim dar um jeito de não desistir de ti, numa caixa qualquer, uma caixa escura, minúscula, triste, a qual felizmente você não pertence. Desculpe, estou me dispersando, mas nada além dessa ligação insistente e muda de não-desistência e chorosa de todas as noites faz sentido, tua morte não faz sentido, minha dor não faz sentido, tua falta é um buraco escavado na minha face cada dia mais magra, face essa sem sentido que carrega em seus vincos o dissabor da espera. Por quem sabe que não vem, não atende, não responde, não liga. E mais uma vez minha tristeza mora nas concessivas e malditas palavras: as tuas que não vem, as minhas que desgastam-se por papéis, entre cadernos, copos d'água e remédios pra dormir. Perdidas, nesse processo entre meu peito minha mente minhas folhas, estas saem emocionadas, cortantes, e ainda assim palavras: filtradas. E no fundo tem essa vontade, a de te ligar e ouvir do outro lado da linha você dizer assim fica calma menina e sonha, sonha que o medo passa, sonha e esconde a máscara, só dessa vez. Meu choro é por ti, por mim, pelo mundo latente atrás das janelas que é vivo e real de mais, por tudo isso que não toco e não cheiro e escorre límpido em minhas lágrimas. Choro a morte e a loucura, e nada disso me pertence. Então te pergunto, em meu sonho, entre soluços entrecortados, o que é que eu faço pra seguir acreditando? Ao que você responde, com a serenidade de sempre: viva.

07/08/2012

Sei que você precisa se sentir criança, querendo alguém como criança quer doce, mas de forma trilhões de vezes mais dramática. Mas eu preciso de você inteira e não partida em mil cacos, esse quebra-cabeça ambulante que anda pelas ruas, sorrindo como se não odiasse atores fora de cena. E às vezes me dá quase que um instinto paternal, de pegar você nos braços e abraçar e deixar que chore e finalmente encaixe em seu próprio corpo sem ser sempre algo à mais. Ou um ódio descontrolado, junto a essa vontade de sacudir teus braços e gritar mil xingamentos que te acordem, enfim, desse sonho melodramático, onde a heroína esbofeteia todos na cara com sua delicadeza excessivamente triste. Simplesmente te peço, guria, que encontre, entre teu conformismo e imediatismo e esse monte de sonhos, qualquer espaço - por menor que seja -, na tua vida, pra que eu possa te dizer outras verdades não tão duras. Não enrubesça quando eu disser que, por trás da máscara da armadura e de tudo, teus olhos brigam com a luz da lua e deles emerge um substituto às delicadezas. Leio neles o gosto por Neruda, Cazuza e Cecília, um humor mórbido e um riso enferrujado de confiança cedida e quebrada. E peço, então, que não vá embora antes de ser de novo a criança não sem mistério que te habita enquanto escreve, e que não morre por tu ser poeta. Te peço que permita a essa criança ter o olhar também exposto em tuas grandes janelas negras, onde ressoam sonetos esquecidos lidos às quatro da manhã por uma velha que senta, espera e borda o anunciar de cada dia. E que essa velhice e infância que debatem-se em teu frágil corpo percam, se possível, pra vida que te espera lá fora.

18/07/2012

Entre o angustiante e o insano



Tenho medo é da inspiração tardia, da tristeza improdutiva e do amor que não sinto. A angústia, semelhante a essas gentes cuja presença se acostume e tolera, contudo sempre a desejar calmamente que dê uma trégua, acomoda-se na poltrona e exige chá com uma boa reflexão que a procrie. Tenho medo mesmo é dessa paisagem interna que me absorve e, sempre que acordo, um tanto da vida passou. A companheira sorri e diz: eu não passo, eu fico. Tenho uma secura na boca, reviramento no estômago, os olhos tardios e parados, meio mortos, postos na discrepância, no inóspito e desinteressante. A velhice que os habita parece sempre pronunciar: tudo bem, podem ir, eu espero. Meus lábios movem-se num monólogo: tenho mesmo os olhos fechados, as pálpebras enegrecidas, as mãos paradas e frias postas sobre o colo, algodões a impedir que se desfaçam os pedaços. Esse é o retrato da minha alma. A angústia, em risadas convulsivas, satisfaz-se como num banquete, onde os corvos tocam clarineta enquanto o velório prossegue. Minha escrita de mau gosto satisfaz-me - e a ela  também -, então tudo vai bem. Respiro, e percebo quase com alegria que ainda o faço, enquanto minha imaginação volta para seu quartinho escuro, nos fundos de uma insana casa que curiosamente nunca explode. Os lampejos ocorrem-me e embebedo-me neles mesmo que custem horas de sono e psicanálise. E, além disso, reprimir os próprios demônios deve ser mesmo muito triste.

08/07/2012

Outros Tempos

Sou o mesmo cara observando os carros raros e lentos percorrerem a rua principal enquanto garotinhos observam, encantados, as pernas das putas. Há prazer nisso tudo, na forma em que as pernas são expostas no meio fio e o dinheiro é o único capaz de modificar o cenário. Os velhos passam, buzinam, elas guincham em risos exagerados os cigarros e conhaques que enfim poderão obter, pois o inverno adentra lentamente os portões da pequena cidade, em marcha implacável anunciada no jornal local. As ruas possuem o mesmo fluxo, as moças têm suas delicadezas guardadas e com seus cadernos em punho - após saírem de colégios católicos - e saias curtas, pressagiam, indiscretas, a passagem de rapazes loiros, musculosos, indiferentes.  A infância corre tão curta, desfilando nesse final de outono como todas as flores que tombam, secas e escuras, das árvores que de repente desfolham. As garotinhas, com suas tramas e histórias, parecem bonecas expostas em tristes vitrines, que em um futuro próximo farão parte da vida de incompletas adultas. Sigo escrevendo como se as moças corassem e fossem belas e puras como a aurora, ao mesmo tempo que sagazes a contrariarem a opinião torta dos homens, incapazes de enxergar as coisas por inteiro. E então pergunto-me: Onde estão todos os suicidas, escritores, ceguinhos - estes que veem em uma pedra lisa as asperezas da estrada desses caminhos que percorrem sozinhos? Onde moram as moças que nas fotos das paredes úmidas na sala de minha tia-avó, têm nos olhos parados a vaziez da espera? Onde estão as pessoas que fazem quem opta por solidão mudar de ideia? Onde está a obscenidade da nudez, que hoje é tédio nos carnavais? Onde estão as amarras das bocas dos padres, que aqui não tem o que pregar? Porém, nada disso aparenta importância enquanto os carros andam, os garotinhos olham, as putas guincham, os velhos pagam.

04/07/2012

Tuas mãos são nodosas e frias,
incandescentes e memoráveis
nas noites de meus dias
os teus olhos, duas brasas
apagadas antes do tempo,
com um único assopro do vento.

Minto, teus olhos são duas faíscas
por onde a alegria cruza
e esvai-se, nublando tua face
que torna-se oblíqua e ainda assim bonita

Teus dentes têm a alvura das estrelas
longes, inalcançáveis, puras
Distantes de minha mente incasta.

Teu corpo move-se entre os mortais
Tão distinto dos outros todos
Que é triste a alegria dos outros,
E encantadora tua tristeza.

No meu pensamento criam-se mil epifanias
Que emaranham-se em minha insônia
e preenchem minhas noites todas.

É que se eu pudesse, e só isso desejaria
te devolvia num único beijo
a alegria que alçou voo dos teus olhos
Como as borboletas que eram mais coloridas
Na tua infância quase esquecida.

E tudo isso soará tão romantico e antigo
que me calo no instante seguinte
arrependida do que quase digo.
Minha poesia soa torta
e leio admirada os que escrevem com maestria
as coisas que só sei dizer
sem rima, sem métrica, com ironia.

O lirismo é a única coisa
que faz-me odiar menos
música clássica, minhas roupas, o correr dos dias
as pessoas que não me apreendem
nem por um instante, ou compreendem

Temo a frieza que me cerca,
e o individualismo latente
e as pessoas espertas
que não entendem nada além de jargões

Temo acordar amanhã
sem querer ler Pessoa
E almejando dinheiro
como se a morte não existisse

Temo e no fim durmo
Acordo com as olheiras mais fundas
e os olhos impuros
De quem quer descobrir cada canto do mundo.

18/06/2012

Anti-herói

Tem uma das mãos pousada em um copo de whisky, outra segurando um cigarro, parecendo um artista francês. O frio predomina fora dos cobertores da casa que não tem, o hotel é pouco acolhedor e empoeirado. Serei inútil só mais uma vez, pensa, semelhante às tardes com cafés fortes, os olhos intensamente quentes, negros, amargos, como todo o resto. A bebida e a fumaça descem pela garganta azeda, passando pelos dentes amarelados, os lábios cortados pelo vento incessante. Atrás da janela, a noite já caiu sob as casas, os prédios são contornados pela luz da lua. Ele, com os cabelos despenteados, a trilha sonora insuportavelmente popular ao fundo, parece um falido escritor de romances nunca lidos. Seu bar preferido fechou, as bebidas não são como antes, querem implantar um desses sistemas, lei seca, proibição à drogas, essas medidas que nunca funcionam. Nada de Kafka, Bukowski, Roberto Carlos, nada de Hilda, Florbela ou Bandeira: todos velhos, caquéticos, ou esquecidos, mortos. Geniais. Uma marchinha antiga de carnaval preenche o recinto, o dono do bar aumenta o volume, ele levanta os olhos da mesa bamba para a saia da garçonete, que graciosamente enche o copo. A noite escorre entre os dedos magros. O peito é preenchido pelo branco dos cabelos, que já passaram dos cem fios. As rugas, os vincos, o dissabor, a azia constante, os livros insatisfatórios que enchem suas linhas de rodeios e o incentivam a permanecer na cama, tudo fazendo círculos em sua mente enquanto o álcool faz efeito. Ao seu lado, uma moça o observa atentamente, e depois põe-se a escrever poemas em seu pequeno caderno, sem ponderar que assim, como ele, acaba-se a maioria dos poetas. Ele tem vontade de dizer o que é que você faz aqui? Vá estudar, que essas matérias preenchem inutilmente as grades curriculares e não são usadas no fim pra nada, mas é assim mesmo, vá fazer amigos e rir e desejar ardentemente ser bem sucedida, rica, burra. Leia jornais, deseje a morte de todos esses que preenchem as colunas policiais, a explosão dos presídios, que a burguesia não pague para viverem sem perspectiva esses vadios. Creia na imprensa, na opinião pública, que não existem exilados políticos, pobres sedentos, gente infeliz. Escove os dentes, seja bela e encantadoramente alegre e que riam também teus olhos claros. Espere ter guardada em ti essa inocência que se perderá na hora certa, e não assim precocemente como os menininhos que não tiveram essa tua chance de estudar, ganhar dinheiro, rir assim leve de programas da TV. Esqueça esses caras intelectualmente superiores que têm sempre mais que trinta anos, nenhum emprego, nenhum juízo, uma faca em baixo do travesseiro com a qual sem sucesso já lanharam os pulsos, mas uma hora vai que. Pare de ler tragédias gregas de escritores tristes, modernistas, ultrarromânticos, bando de vagabundos viados desocupados. Muita gente deseja tua sensibilidade, eles dirão, mas é mentira. Daqui vinte anos, você estará na porta de algum cara insensível ou simplesmente normal, um tanto desequilibrada, bêbada, a pele manchada, as mãos trêmulas, recitando poemas às três da manhã. Mas, sem dizer nada disso, ele simplesmente ri, empina o copo, e levanta para sair à rua como um condenado que aceita sem recorrer à sua pena.

04/06/2012

As entrelinhas do meu silêncio

Você me sorri, um riso sincero de dentes manchados, afinal tantos cafés, pouca grana pra dentista, afinal tanto tempo, e pergunto um tanto sem jeito porque é que você não escreve mais. Bem, você fala, escrever não é assim como andar de bicicleta ou nadar: a gente vai perdendo o jeito. E pergunta, apático, o que aconteceu que nunca mais liguei. Por um instante penso que estranho impulso me levou a tua casa e a alguma vez em uma vida inteira arriscar-me a demonstrar qualquer coisa, senão a conhecida indiferença da qual compartilhamos em nossas faces pálidas. Pra responder, depois disso, que simplesmente não sei. Meu interesse, após provocado, adormece em alguma parte minha que nunca se reconhece frágil e jamais se rende, mesmo que reclame por noites inteiras a solidão com a qual não sabe lidar. Você ri mais uma vez e me conhece de tal forma que não me surpreenderia se soubesse que nesse exato momento cruzo os olhos por cada detalhe da tua sala-de-estar procurando, entre a poeira que cobre teus móveis, qualquer mudança que indique teu envolvimento com outra pessoa. Você questiona se quero sentar, ou um chá, talvez um café bem forte, do jeito que eu gosto, e parecemos tão civilizadamente distantes que cogito sair correndo pela tua porta na qual há poucos instantes bati. Falo não, obrigada, estou bem assim, já um tanto hesitante, e uma das tuas sobrancelhas se ergue perguntando em teu lugar o que diabos eu estou fazendo. Não sei, diria mais uma vez e, a cada instante que transcorre, de forma mais insegura. Logo eu, que jamais fora impulsiva ou remotamente inconsequente, logo eu, que por tantas vezes escrevi o que mesmo depois de tanto tempo, várias leituras, milhares de tentativas, conseguiria por fim transpor aos ouvidos de alguém. Você segue parado, em pé, desconfortavelmente posto entre todas as minhas tramas, histórias, escudos e a porta para a qual momentaneamente olhamos os dois, de forma cúmplice e cordial, e para a qual caminho, silenciosa e envergonhada. Você diz foi um prazer te ver, é uma pena que. E tenho, mais do que todas as coisas, uma imensa e abismal pena do irremediável fim sem ponto final que mora em todas as nossas entrelinhas.

31/05/2012

A noite é fria e a lua dista dos meus olhos, que são dois meninozinhos sujos de terra a procurar na discrepância da lama onde afundam meus pés, diamantes cravejados de sinceridade, inexistente nos dias que correm. No meio da roda feita de rosas mortas que cercam meu muro a evitar aproximações, você me sorri como fez outrora, e em minha mente sobrecarregada e infiel tua imagem ganha a tonalidade amarela, a substituir as rugas que nem chegaste a ter. Tuas suposições de que não passo de alguém com medo usando das precárias armas que tem, expressas numa noite sem lua, tornam a vida algo próximo do suportável. Teu jeito de rir sem mostrar os dentes proíbem-me ver que ao meu redor os livros caem das estantes e as pessoas são cobertas por terra, culpadas sem julgamento pela diferença que possuem das demais. A terra treme e engole as pessoas que seguem lotando caixas de super-mercados e campos de futebol. Paga-se por pão e circo sem a percepção dos verdadeiros palhaços. Esqueço tudo isso enquanto houverem poetas, discordância de opiniões, mãos capazes de folhearem até amarelas se tornarem as páginas de livros e sonhos a serem enumerados em meus cadernos. Não acreditarei nas coisas como se apresentam, em lenta morte decadente, enquanto houverem amores recíprocos, brigas que envolvam o intelecto e excluam armas de fogo. Enquanto estiver envolvida na tentativa de transpor a alguém o indizível, as palavras me sustentarão na linha tênue entre o mundo latente em um turbilhão desordenado lá fora e as ideias que me fazem sentir, assim como te sinto, irremediavelmente viva pra sempre.

22/05/2012

Escrevo, por vezes, com mais beleza que verdade - e são feias e duras minhas verdades. Procuro sinceridade nas pessoas e acho em tão poucas que é triste. Todos cercam castelos de cartas com um imperador grandioso em forma de dólar americano em seu topo enquanto atravessam as ruas e suas cabeças explodem, mas suas vozes de alguma forma mantem-se nas bocas ensanguentadas proferindo palavras de ordem. Seus neurônios se extinguiram um a um por falta de uso e todos riem gargalhadas cínicas de apreço por seu superior. Não consigo pensar no quão elitista seria uma grande bomba que finalmente os calasse e me permitisse desacreditar em tudo sem frustração - se tudo fosse nada -, e em quão satisfatório seria se. Sou assim porque não posso matar ninguém e invejo as ingenuidades e as loucuras, que mantém as pessoas distantes do que são realmente as outras. Desaprendi esse jeito alheio de fingir serem importantes as amenidades que tornam as coisas todas aceitáveis e menos odiáveis do que meus olhos descrentes vislumbram. Olhos estes que percorrem os lençóis, escassos móveis da cozinha e ladrilhos sujos, observando a lenta marcha dos insetos de encontro ao não-inteligível de seu destino e, portanto, palpável e real. Invejo, por fim, todas as coisas existentes que não têm consciência de si próprias, da enormidade do mundo e das imbecilidades nele presentes.

02/05/2012

Sobre crônicas e garotas

Abro a janela, afasto a cortinas e vislumbro a calmaria das ruas de um domingo para o qual todos já têm planos. Uma moça bem vestida atravessa a rua por entre os carros que esperam abrir o sinal. Seus passos têm a firmeza necessária para derreter homens fortes, a determinação misturada ao céu dos olhos capaz de coagir os mais seguros rapazes. A peculiaridade no farfalhar de suas saias, os cachos perfeitamente alinhados que tocam a fineza da cintura bem-desenhada e a boca colorida por marcante vermelho-vivo, causam-me fascínio e torpor. O vento lhe encurta as saias e afasta os cabelos do dorso branco, recebendo sua indiferença igualmente dedicada aos pais de família, senhores idosos e moças que desejam a si próprias igual vitalidade. De meu pouco entendimento de seus segredos retiro inspiração para a crônica de segunda-feira que passará em branco aos olhos de muita gente e será talvez a cama onde dormitará um mendigo ou receberá em suas cuidadosamente escolhidas palavras dejetos de um animal doméstico qualquer. A moça que cruza minha rua nesse instante sem que eu saiba nunca de encontro a que destino, desconhece a poesia contida na brandura de seus atos que não a aprisionam em definição alguma. Quem sabe que pensamentos moram atrás dos olhos que recusam-se a luz por milésimos de segundo antes de mostrarem-se novamente azuis e vivos como nunca foram aos olhos imprecisos de um admirador? Seus passos firmes a mantém encantando as ruas adormecidas da cidade, enquanto todos fazem alguma coisa infinitamente mais útil que sonhar.

28/04/2012

Os textos raros de sempre

Você não escreve mais como antes. Agora é como se não mais falasse nos caras que arruinaram a tua vida e te rejeitaram e te tornaram uma criatura amarga de mais pra suportar qualquer outra aproximação, e nem parece tão dramática ou solitária com teu sorriso disfarçado que ainda existe apesar de você ser agora alguém em quem esse sorriso se encaixa. Que estranho. Você não reclama mais a beleza que vê na feiura e fica difícil te imaginar com chocolate lendo textos clichês e jurando que eles são todos pra você. Você até parou de escrever que é exclusivamente a guria que se decepcionou por querer e gostar sempre a mais que o permitido pelas leis do mundo frio e cruel que cerca tua casinha de amores mal construídos. Você parece se interessar pelos mesmos caras socialmente compatíveis e contar as mesmas piadas sobre como exercícios físicos se tornam menos suportáveis ao passo em que você conhece autores melhores e lê em dois dias livros investigativos até pular pra mais contos ultra-românticos que te fazem suspirar coisas que nunca viveu. Mas, de qualquer jeito, queria ver você escrevendo de novo tristezas inconsoláveis, cálidas, trágicas com esse jeito classe média que sofre sem nunca ter passado por nada verdadeiramente ruim. Queria ler de novo no teu riso fatigado que já envelheceu alguns tons, frases decepcionadas de quem sempre esperou e confiou sem receber garantia. Quero de novo te admirar sem saber porque vendo respingado nos teus textos vontades inóspitas de realidade, que se escondem igualmente irreais no fundo turvo do teu olhar negro de saudades. Acho bonito você se sentir anormal sem ver a beleza de se ver refletido na falta que faz alguém. Quero chorar sem admitir os teus mesmos fins infelizes que se repetem ao longo dos meses e hoje quase não existem, porque você anda ocupada de mais correspondendo a expectativas que nem são suas. Quero te ver criticando todos os homens do mundo por conta de um só com impressionantes apresso e ódio confundidos em linhas mal pontuadas que não tem como prioridade seguir com destreza acentuação ou concordância. Só espero que algum dia desses você consiga atingir de novo alguém com teu jeito quase rebuscado de dizer clichês que já dizem tudo, com a mesma honestidade e clareza e incompletude de sempre, procurando chegar com palavras ao patamar superior onde vivem os teus deuses em estátuas de ouro que sabem ferir. Espero que você volte a ser única justamente onde é só mais uma, que escreva procurando nas ruelas tortas das palavras pelo modo como é quando quer mais do que pode alguém.

18/04/2012


Os faraós dançam, os poetas gritam e Deus chora em um canto da sala, mas todos estão mortos. A poesia e a religião estão sepultadas ao lado de todos os românticos e seus mundos feitos de nuvens, de onde enxergam tudo e tocam em nada.
Num poeta há qualquer coisa de desesperador, uma urgência de quem sabe que morre todo dia aos poucos e não há chance de reversão. Os poemas silenciam pedaços inteiros de ideias, calam a parte mais bela das paixões, pois o ponto que se pinga em uma frase inconclusa leva o leitor a conclusões ainda mais lindas. Poeta é um mágico que tem como truque levar a outra dimensão - que só fica interessante quando desenhada em palavras concretas - o homem seu igual que não tem tempo de voar. Mas no fundo todo mundo carrega poesia, um interesse pela pureza das coisas que não se sente naturalmente. É preciso imaginar. Cambaleamos pelo deserto das ruas a procurar inúteis certezas na banalidade das coisas que não nos preenchem. No fundo de todos os mistérios, moram nossas criações e medos pra afastarmos nós próprios do quão assustador é atingir um objetivo, e ter um dia um vazio que já foi preenchido. Mora em toda grosseria um amor mau acolhido, um medo de ter e perder.

13/04/2012

Abandono em cada canto um pedaço meu que não foi verdade. Têm monstros que moram em mim que nem ao menos conheço, e anjos meus que se escondem pelas carnes. Todos eles têm medo dos meus olhos atentos, e tenho eu ora medo de descobri-los, ora vontade de descobrir-me. Se nem bem eu sei o que me cerca e me atormenta, tampouco o que me habita, como ouso pedir que me entendam? Por que insisto em querer que me leiam? Por que não calo esses gritos incompreensíveis que abandonam minha boca de encontro ao eterno buraco do ininteligível?
Procuro nos meus guardados pensamentos que consolem e tudo se confunde cada vez mais. Escrevo por mim, guria que no espelho me parece deslocada de uma realidade presente, pelos meus tormentos, pra te esquecer. Te eternizar é mero acaso.
Escrevo pra fugir do tema, pra não ter foco, pra ter a cara que quiser e não essa massa pálida de olhos grandes e fundos sem saber por quê. Escrevo pra me guardar um pouquinho a cada dia antes de submergir no mar do tempo. Quero deixar-me por aí mesmo sem importância, mesmo sem caber no mundo de ninguém.

A vida das baratas e uma crítica qualquer


Não tenho inspiração, é tarde e o sol vai se reduzindo enquanto em outro lugar do mundo é manhã cedo. As pessoas vivem ao redor da vida umas das outras, penso, vão a festas, mostram-se empolgadas e são tristes. Eu não sou ninguém e aguardo calmamente que os risos que são bolhas de sabão explodam e me deixem dormir. Sirvo um suco, como mortadela e pão e os vizinhos malham multiplicando o odor dos corredores. As baratas com suas minúsculas pernas movimentam sua massa suja pelo meio-fio sempre em frente enquanto eu cuido do quão inútil é cuidar a vida de alguém. Guardo palavrões e a vontade de expor verdades graças aos princípios da escrita refinada, ouso ser sutil, mas as verdades permanecem dentro ou fora de belas frases. As cenas se repetem e nenhum rosto marca na minha mente atulhada de resquícios não-utilizáveis de tudo que eu escrevi, li e quis e hoje é plano de fundo de novas expectativas muito provavelmente sem serventia. As pessoas seguem esperando milagres enquanto a vida corre sob seus narizes. Vocês são todos iguais e não me deixam sonhar e esquecer que sou idêntica a qualquer um. Deito e durmo e grito me deixem em paz, vocês não tem nada pra ver aqui.

02/04/2012


O fantasma da guria que eu fui corre solto nos quintais da minha infância. Almejo tanto ter devolvida aquela liberdade, que só é sentida na brisa da impressão do amor. Que triste fim o da realidade, que faz crescer as crianças, de insignificantes os loucos e sozinhos os poetas. E que triste infortúnio que até o amor cresce, chamando de mãe a cabeça e não o peito, que a imaginação me devolve a infância com rosto de homem, me tira o chão, por preciosos raros meses. Dá-me depois a realidade, devolvendo-me o chão e as tristezas. Tenho de novo oitenta anos.

25/03/2012


Leio nos teus lábios ressecados um riso que é fadiga de dor, cansaço de mim. Subentendido em teu sorriso está o adeus cabível a quem não cabe em si. Transbordo um não entendimento próprio que não abre espaço a qualquer contato, a redoma que me cerca construí na descrença dos meus braços em abraços verdadeiros. Minha tristeza é um velho mendigo de barba vomitada, que nunca mais terá outra casa se não a imundice de ruas solitárias e invernais. Minha coragem são as rosas sangrentas que brotam do lado externo do muro que protege o mundo das minhas sujeiras escondidas sob largos tapetes negros. Sou o resultado dos naufrágios das saudades todas do que nunca tive.

13/03/2012


Quando triste desenho nas margens dos cadernos meninas sorridentes, bocas desfiguradas, olhos doentios, crânios desproporcionais ao lado de zumbis sedentos, de olhos vidrados, crânios partidos, mandíbulas esticadas. Os gritos se encontram nos meus ouvidos, o desespero nas minhas mãos, a imaginação me tritura a sanidade. Uma menina acuada berra e chora dentro de mim.
No quartinho dela minúsculo sustentado no vazio das minhas entranhas correm gotas escarlate de relógios derretidos, pregos dançam incessantes abrindo novos caminhos, enquanto eu, a sacudir todo corpo, sinto a menina pular corda e rir alto, cada vez mais alto do eco dos meus gritos de pavor todos engolidos no meio de qualquer uma das aulas. Minhas mãos pressionam o estômago, mas não é lá, e nem em qualquer outro pedaço palpável órgão tecido célula, ela nem eu sabemos onde é a sua casinha sem porta em algum ponto de encontro de todas as minhas viagens, meu derradeiro paradeiro.
A noite quando tento dormir, ela grita bem alto fica, fica, fica comigo não me deixe aqui onde não sei quem sou nem o que quero nem pra onde vou. Eu digo calma, querida, você não é a única. E nesses momentos chego a criar até compaixão, certo reconhecimento, empatia, com a tristeza da menininha que é minha e eu sou dela, que sem ela pra culpar pelas minhas insônias, se não é ela pra ser a minha loucura toda morando em uma casinha onde os relógios derretem, o que ia ser de mim? Também tô com medo, lindinha, deixa eu entrar no teu quarto? Deixa, deixa eu me encolher na tua caminha e pedir pra um Deus lá em cima que ninguém conhece que nem você, que ninguém sabe qual é o rosto, pra um dia eu ser eterna e plenamente feliz? Viu, sou burra, tola, romântica porque só assim me sinto por cima dessa merda toda. A igualdade me detesta, ou talvez seja o contrário.
E no outro dia saiba que ela grita, cada vez mais alto, implorando um socorro que nunca chega porque lá dentro do meu peito nada entra nada sai só a menininha que nasceu lá, nem eu nem ela sabemos porque ou como, que grita e esperneia em busca da salvação, assim como eu e você.

09/03/2012

Teus olhos e meus cacos


Saudade das coisas findas que nos teus olhos de azul fundo fingiam-se eternas. Olhos nos quais, quando atingidos pela luz do sol, nasce por dentro uma flor de azul claro que cresce até sufocar e matar a anterior, sendo essa a morte mais linda que eu já vi. Sinto falta de não querer nada que ultrapasse os limites da realidade, de um sorriso simples igual esse teu, como se tudo lá fora estivesse em perfeito equilíbrio, as criancinhas, os postes, os telhados, as sinaleiras, os muros, os risos. Sinto falta de uma leveza que perdi, aos poucos, assim como se extrai lascas da vagueza dos dias, das falas das pessoas, da feiúra de algumas coisas. Saudade do guri que tu era e não conheci, sem onda de dor nenhuma por dentro do mar que são teus olhos. Falta tenho é de um jeito meu de querer um presente e ele apenas, e do contentamento de pegá-lo nos braços, depois de porem em sua presença um preço. Sinto falta dos desejos compráveis e da pressa tola de decidi-los até o natal. Saudade do poder que nunca tive de engolir de uma só vez os meus choros guardados, risos escondidos, sorrisos mortos e todas as palavras que guardei pra não ferir e viraram cacos minúsculos a me arranharem a garganta por onde um dia almejaram sair. Queria mesmo mais que todas as coisas vomitar esse medo todo de viver.

18/02/2012


Não expresso drama nenhum, mas no fundo quero sumir, achar antes um jeito bacana de dizer assim, bem séria, que as coisas todas estão melhores: o mundo as pessoas as empresas, tudo lindamente sem egoísmos se estruturando ao redor das massas pensantes, gente tão genial essas máquinas de fazer dinheiro e alegrias. Você olhava sóbrio o vácuo, a parede da sala minúscula; você enclausurado dizendo: Será que um dia vão nos aceitar mesmo assim? Acorda, querido, as pessoas só aceitam, convivem, fazem filhos, compram apartamentos espaçosos de vistas privilegiadas sem esgoto algum por perto com seus iguais. Vai, não faz essa cara de que essa limpeza toda aparente te atrai mais que esse melodrama, essas frases sussurradas assim teus-livros-tua-cultura-não-preenchem-o-teu-vazio. Por favor, não fica com raiva dessa vez, não atinge o primeiro eletrodoméstico que ver com a cadeira branca cheia de furos no encosto só pra me enlouquecer, deixa que essa calmaria nos engole bem antes, não diz assim "fica aqui sozinha com teus dramas, ídolos mortos, teus contos podres e pobres" porque eu juro que não volto atrás. Não sai correndo por aí de sunga colada gritando quem vai nos salvar?, deixa as ideias improdutivas irem e virem, espera aparecer qualquer coisa que sirva pra devolver pra gente a crença de novo, no mundo e nas coisas todas. Não chora assim, espera vir uma esperança que nos resgate de morrermos assim tão murchos e fatigados sem perguntar mais pra ninguém porque foi que tudo ficou tão escuro e todo mundo parece tão burro e ridículo em fantasias de ano inteiro. Larga as minhas pernas, eu preciso ir embora entrar em casa aquecer o café deitar a poltrona ler amenidades e tragédias super-focadas pela mídia que dramatiza sem propor soluções igualzinha a nós. Vai dormir tomar um chá engolir essa semana inteira em goles pequenos e doloridos de trabalhos mal recompensados, procura a companhia de um amigo desses que te chame pra ver TV e ouvir as notícias e sorrir de dentes tortos mais uma tarde vencida, mais um dia, mais uma manhã onde tudo parece perfeitamente posto em espera pra quando se recuperar a lucidez.

11/02/2012

Teus fios soltos de cabelo e outras ideias desconexas


Tenho medo das coisas irem bem de mais e de querer de mais uma guria neurótica de cabelos vermelhos e medo da vida. Sei que você tem mais cócegas nos dedos dos pés que nas axilas, que odeia ser vista tomando banho mas eu faria cócegas em qualquer lugar do teu corpo e tomaria banho contigo. De olhos vendados, se preferir. E você fala sobre bloqueios mentais, escreve atrás de cupons antigos e notas de supermercado frasezinhas sobre o amor que voam soltas pela casa. E essas coisas se tornam insuportáveis depois de uma semana, suas manias minúsculas, seus fios de cabelo desprendidos de coques altos, suas francesinhas brancas descascadas nas pontas, seus tiques e perfeccionismos. Sem querer implico com cada passo seu e te peço pra deixar meu apartamento trancado quando sair, preciso fugir pra não querer ficar pra sempre.
Tô com medo porque nenhuma outra garota lerá Fernando Pessoa pra depois virar de lado, dobrar as pernas e dormir como se minha cama fosse o melhor lugar do mundo. Eu disse assim não sei se quero vender meu vômito pra viver, escrever é a única coisa que faço com vontade verdadeira. Sem obrigação nenhuma. Você respondeu assim você seria um grande idiota se não vomitasse pra toda essa gente ver. E eu tô acreditando. Depois sussuro baixas desculpas, é que não sei se sirvo pra ser feliz pra sempre.

09/02/2012

Sem pausa e sem dor


Só uma taça de vinho barato e um Bukowski amargo me tiram daqui. Não sou mais nenhuma guria triste almejando consolação preciso é de um ombro sem mão amiga pra cobrir sou um velho maltrapilho da tabacaria mais suja e discrepante sussurrando que-que-eu-faço questionando onde é que anda o amor. Quero correr atrás de nada pra no fim ter um vazio pra tocar na ponta dos dedos. Quero uma solidão de dias sóbrios sem ilusão nenhuma pra alimentar. Quero falar sem nexo coisas feitas pra não conquistar ninguém me esconder dessa hipocrisia de simpatia e agrados morar pra sempre na minha casa de papel e palavra nessa ilha sem mais ninguém sem fustigar inteligência nenhuma. Quero mais provar nada pra ninguém não preciso de apoio reconhecimento abraço de mãe tiro na boca. Fim de drama que aqui ninguém chora destila dor em cartas não mais usáveis. Como tudo nesse mundo minha dor também é descartável.

15/01/2012

Faz Parte do Teu Show


Você deseja que talvez eu cresça, seja alguém melhor, faça finalmente algo por mim mesma. E imagens instantâneas rolam na minha cabeça tuas entrando num bar de olhos vermelhos e aquele jeito desolador de procurar presas sempre fáceis de vestidos colados. Você sentando como quem não quer nada ao lado do bar e tragando fundo teu cigarro e esperando que elas se aproximem pra serem devoradas. Do tempo passando lento e uma garota estrategicamente desequilibrada num salto quinze rindo alto e encostando a bunda magra na cadeira do teu lado. Da tua mão pousando na perna dela, da guria loira que ri tão alto e é tão feliz que me dá nojo. Ela dizendo um monte de besteiras e a tua cabeça balançando afirmativamente e da tua mão indo mais longe. E tudo de repente se apaga e você é um cara sóbrio de olheiras fundas me dizendo que todas as músicas do Cazuza foram escritas pra você. E eu faria músicas pra você se soubesse fazer algo além de escrever histórias absurdas sobre como você sabe me decepcionar com as grandes mãos pousadas em pernas grossas. Agora eu não quero nada além de ser alguém insignificante que não consegue dormir e está ao mesmo tempo cansada e chata e repetitiva de mais pra esse tipo de drama. Eu te juro que cresci mas achei isso tudo ridículo e ilusório de mais pra me pertencer. Quero encolher e ser uma criança estranha do primário que não se encaixa em roupas largas no meio das crianças tão alegres das outras classes. Quero ser eu pequena e você pequeno antes de pegar o carro e correr com os teus amigos com a idade mental da criança que eu quero ser. Quero parar de te desculpar todas as noites que não são sexta-feira e esperar que você só dessa vez pare de ser o vilão das histórias que eu mal sei contar. Quero parar de reclamar você e calar pra sempre minha vontade de sumir sem deixar rastro dessa mesquinhez que é viver sozinha. Nunca mais ver você inocentemente sentado, sério e discreto e lembrar da tua voz rouca proferindo coisas que essas putas nem entendem. Quero nunca mais querer que a tua vida boemia te mate e que numa noite dessas teu carro bata fatalmente num poste. Minto, quero que você morra a próxima vez que se desculpar por ser você e só por isso me fazer ser assim tão louca.