30/12/2011

O teu jeito


Vou entrando pelas portas abertas, e seguindo por corredores escuros e linhas tortuosas me desvencilhando de qualquer dor antiga, sentimento obscuro ou tristeza puramente pensante que nas tardezinhas me tomam pra estar só dessa vez pronta pra te encontrar. Sigo de boca e olhos semi-serrados contornando bairros e ruelas pobres de guris descalços com algum sentimento auto-depreciativo me acusando louca e desesperada.
Me dispo de discrição, com os olhos correndo por todas as janelas e sacadas e frentes-de-casas sabendo que em algum canto dessa cidade suja e discrepante um cara magrelo dono de alguma estranheza sorri em risos tristes. E ignoro o alinhamento de dentes brancos, o lineamento perfeito de lábios grossos, a cor de oceanos fundos de olhos alheios. Observo sem nenhum interesse os corpos bem-feitos e trabalhados correndo por essas ruas. Admito também passar despercebida. E sorrio timidamente porque as coisas seguem todas perfeitamente em seus lugares.
Ando o mais rápido que posso sem deixar passar nenhum detalhe dos prédios mal planejados, sobrados descascados e varais estendidos de roupas simples. Corro os olhos vorazes pelas esquinas e estreitas faixas de pedestres, te imaginando com sacolas de supermercado distraído de mais pra pensar em um encontro súbito, desequilibrando tua rotina de comentários sarcásticos destilados em redes sociais e sonos prolongados por tardes inteiras.
Te imagino em becos com garotas ou em lojas de material esportivo e solto uma risada involuntária. É que é tão o teu jeito estar trancado agora em casa vendo algum documentário excêntrico sobre a reprodução de algum bicho só descoberto no século passado ou tentando bater o recorde de cara que puxa os piores assuntos pra conquistar alguém. É tão teu jeito nunca ser encontrado por mim por estar ocupado de mais não se importando nenhum pouco com as convenções e cerimônias de todo o mundo.
É tão meu jeito seguir te procurando e suando e correndo nessa cidade ridícula de tão pequena e vulgar, onde comentários maldosos se alastram com a rapidez da luz. É tão meu jeito perder um pouco do ânimo com cada cara bonito e burro de mais que atravessa o meu caminho nas faixas, ruas e esquinas confiante de que merece todas as garotas burras e bonitas do mundo, enquanto você se esconde estranhamente lindo em algum canto por aí.

19/12/2011


É que sempre lembro de ti no banco do carro contabilizando as compras numa cidade de neve com a tua família, o preço do chocolate suíço, o hotel que tem gente famosa, a decoração dos lugares certos, teus novos sonhos de consumo. E que você não se referia a minha vida ou perguntava de vez em quando educadamente se eu já tinha ido pra tão longe. Me lembro de sermos tão opostos porque eu juntava uns trocos pra estudar e tu vivia com tudo aquilo que eu sonhava pra mim daqui a trinta anos. Me lembro de sermos tão iguais juntos no colchão que vale o salário de um ano todo do meu pai. Lembro que eu ainda achava em você alguma coisa impossível de existir em outra garota e você achava legal gostar de um cara como eu. E da manhã seguinte ao nosso retorno, dos teus pés entrando calmos na banheira, tuas mãos chamando a água quente, teu óleo de banho competindo no meu nariz com o cheiro de café. Você saiu enrolada na toalha e fez aquela mesma cara de “ops” quando tua roupa toda estava sob nossos pés pela primeira vez, fingindo ser bem-comportada de mais pra ter um cara vidrado nas tuas pernas deitado na tua cama. Lembro de você fazendo panquecas pra tentar impressionar um bobo impressionado e da tua empregada perguntando que bicho te mordeu. E do último fim de semana você se esfregando num cara qualquer pra me mostrar o quanto sou louco por você. Lembro de você virando dissimulada e me ligando tarde da noite pra saber quem é ela. Sendo insegura a ponto de duvidar que “ela” vai ser sempre você. De quando te disse pra acabar, do teu choro no meu colo e do meu choro mudo pelas ruas do teu bairro. Lembro e vou lembrar de você pela última semana em que ainda éramos nós.

13/12/2011

Emoção é pra mulheres


Vi você do outro lado da rua querendo me impressionar, andando e juntando bem as pernas, como se quisesse me convencer da tua magreza já explícita com o aparecimento dos ossos. Vi você do outro lado e querendo chegar mais perto, já me impressionando porque você se veste normalmente, tem uma aparência legal e ouve música boa. É meio obcecada por uns caras estranhos aí, é contra opressão, não tem nenhum tipo de preconceito, como deixou bem claro quando não me manifestei pelo sim e você jurou que eu era gay. E entendi que você já estava cansada de caras gays, mentirosos ou mal resolvidos quando o assunto fosse amor. Te peço desculpas por todos eles, pela minha raça que não olha onde pisa, não vê o que estraga. Te peço desculpas mas não sei se cabe a mim mudar esse quadro.

Você segue me olhando meio de canto e jurando me querer do lado. Não que a tua timidez te permita qualquer dessas declarações, é que tu sabe mesmo falar pelos olhos. E eu te olho bem de frente, para teu rumor das faces e desvio do olhar. Me divirto porque de alguma forma tinha um pouco de ti lá no início, me atrapalhando e engolindo palavras com medo de perder uma guria.

Um dia pedi que você de alguma forma fosse embora sem nunca ter estado porque falar de emoções fica mais fácil pra mulheres. Então você me analisou de todos os ângulos possíveis procurando em algum lugar vestígios de contradição, mas eu seguia sério não querendo te alimentar ilusões. E naquele dia você foi embora como hoje também está indo tão magra e convicta de que uma hora ele vem, se não for comigo vai ser com outro.

Porque sou alguém que pode mudar de idéia no dia seguinte e te deixar repousando feliz entre os lençóis. Sou quem foge de um compromisso não por querer outras, mas por não saber o que quer. E quem te omite tudo isso porque você é a melhor coisa que nunca me aconteceu e que vai embora crendo ser eu o mais covarde dos homens. Espero que você saiba disso e me odeie imensamente apesar de amar em você todas as coisas que nunca vou saber achar em mim, como essa entrega sem medo de ferimentos. É que pela primeira vez, quem tem medo é o caçador.

05/12/2011

Nossa história inexistente


Antes de tudo me apaixonei pela biblioteca do teu quarto que só tem uma cama estreita e essa pilha mal cuidada. E vi que você era um cara desses que valem a aposta e o pulo, tua simplicidade uma máscara pra essas coisas todas, um jeito de impressionar garotas pouco impressionáveis. Me perguntou o que eu mais queria conhecer no mundo e nem julgou nem nada que fosse algo do mais rico e bonito da Europa. E disse que minha beleza era simples e já cansou das coisas complexas. Disse que eu devia gostar das belezas também simples e não de ouro diamantes dinheiro ou caras esnobes. E uma infinidade de coisas que não cabem na memória mas merecem meu reconhecimento. Foi assim que você ganhou minha confiança nos primeiros trinta minutos de conversa e eu nem queria mais conversar. Você mantendo o ar sério e compenetrado nas palavras todas certas e eu querendo logo o próximo estágio. E contando como enjoa em viagem e teus sonhos com águas turvas e teus livros te chamando na estante. Daí eu te falei que tava com medo do que ia ser no próximo ano e que as coisas eram rápidas de mais desejando tua rapidez. E minutos depois só te via tagarelando algo sobre romances serem semelhantes e brigas valerem uma história. Me perguntou o que ia fazer da vida e eu escondendo em um não sei que queria escrever. E sabendo que as histórias que valem mesmo são as reais. Eu não devolvi a pergunta e dessa vez éramos silêncio porque alguma coisa tinha dado errado e houve um rompimento em algum lugar da história sem que nada ainda houvesse se encaixado no devido lugar. Agora queria ir pra casa e abrir uma página do Word e escrever que a minha admiração é o maior afrodisíaco. Mas também precisa de imaginação. E da ponta da cama minúscula você minúsculo se perguntando se eu podia ser assim tão vazia. E eu me perguntando em algum lugar por dentro porque é que não conseguia dizer nada do que realmente importa. E depois eu destrancando e dizendo ser você o cara mais legal por quem eu nunca me apaixonei porque diz tudo tão por dentro que não vale a pena pensar. Posso jurar ter ouvido teu pensamento perguntando de onde tinha saído aquela louca e o motivo de tanto alarde. E você certamente ouviu meus passos na escada e viu minhas complicações se dissolvendo todas pela rua sendo arremessadas na calçada e atropeladas por carros rápidos de mais. Talvez um dia você leia nossa história que não existiu e foi quase briga, bem do jeito que você gosta.

03/12/2011

O problema não é você, sou eu


É que você tem uma ex-namorada modelo e outra que só sabe rir de tudo. E eu sou quieta de mais ou, pior de tudo, inquieta com as mãos excessivamente compridas. É que você sempre convence as garotas rápido de mais e eu quero discutir pra depois calar e quando calo não me dou por vencida. É que sou irritante na minha ironia simplória que quer fazer graça e só consegue provocar. E um dia eu decidi que não ia mostrar pra ninguém que tinha medo e só quem sabe disso tudo são umas folhas riscadas e uns caras desocupados.

O problema é que me exponho de mais e já tentei ser menos mas sou sempre assim. E te estranho, te machuco, e quero deitar no teu peito e esquecer quem eu fui ou sou até o momento de desistir de estar contra todas as coisas inocentes nas quais eu vejo armas mortais. E eu paro de repente e te encaro séria porque você me intriga mais que todas as coisas que habitam a terra até ser um outro dia. De repente eu sei que tudo passa por mim e eu estou sentada observando e meus olhos são famintos mas meu corpo desajeitado. E eu quero tanto as coisas que quando as toco inevitavelmente alguém se machuca. Não entendo de delicadeza e desejo as belezas poentes. Não quero as coisas pra sempre, eu digo, mas repentinamente aparece alguém que me faz jurar que desistir não faz parte do meu plano pro outro dia. Viro a noite e o sol anuncia quem é a grande mentirosa. E eu digo tudo bem, tudo passa e na noite passada eu jurava ser outra pessoa. Meu problema é comigo e não estou mentindo, deposito confiança e carrego nas mãos a culpa de esperar e querer pra sempre de mais. É que vou ser quem reclama critica e suplica por atenção ou vou largar todas as histórias e ser eu. Quando eu descobrir o que isso quer dizer.