26/09/2011

Burrice poética


A velhice tem me levado a lembranças que são fósseis de sonhos postos em espera por princípios, ou outra dessas tolices que já nos ocuparam os dias. A mesma velhice que se mostra nesses dias tristes como só teus olhos sabem ser.

Já velhos somos, minha senhora – em minha mente tão moça -, e como tais, não temos direito a regalias das coisas que esperam. O tempo não mudou teus sentimentos de moça livre como fizera com tua face já tão disforme, a cada dia derramando sua beleza por rugas espessas, como as lágrimas que outrora me feriram como somente lanças afiadas e cravadas lentamente doem a um homem. E fui eu um homem, pois tinha barbas, uma casa, um emprego e alguém a desejar.

Hoje dessas dores não sofro mais, pois tu não mais choras. Tens olhos secos e um certo brilho perdido, que já fora razão do viver de muitos rapazes de nossa época de cores e sabores hoje inexistentes em nossas vidas tão escassas de quem beira a morte. E hoje, já caquética e de passos arrastados, mesmo hoje, com meus cuidados, me dói que em todos esses anos tu não tenhas aprendido a amar o que tens em mãos. É dessas que sempre irá querer o inatingível e viver a beira da história que jamais escreverá.

Já tanto te escrevi, moça, te enviara infinitas cartas que atualmente nem se usam, declarando essa beleza que via e ainda hoje vejo em ti, que tivestes em todas as fases da tua vida e agora se põe pelos dias, e se derrama por onde passas nas andanças lentas de quem não mais tem pressa.

Tal beleza que não soube ver em nenhuma das outras passantes por esse meu caminho cheio de pregos e pedras e desvios, com rios indecifráveis e histórias imemoráveis, diferentes de tuas idas e vindas todas recordadas em meus cadernos amarelos. Já tantas mulheres desejaram um poeta a sangrar assim por elas, de cabeça baixa e olhos entristecidos, sem saber mais onde encontrar moradia e sem querer abrigo em qualquer outra paragem. Mas tu não querias um poeta.

Querias um homem. E homens, nem hoje nem nunca foram criaturas permitidas ao choro, nem a qualquer dessas coisas proibidas como são as covardias e os medos. De homem só tinha as barbas, hoje tão brancas e finas, e essas coisas tão desimportantes a verdadeiras mulheres como eras tu. Precisavas – e ainda hoje precisas – da segurança que nem a mim saberia fornecer, nesses caminhos tristes, sempre a duvidar e questionar minhas escolhas nunca exatas.

Tu não temes a morte, e nisso vejo uma beleza que de pouco se entende. És corajosa e nisso só enxergo virtudes. Mas inebriados meus olhos se tornam quando te imagino, tão frágil e pequena, nos vorazes braços da morte a transpassar tua alma que és linda por si só. Te admiro como a poucas pessoas se pode admirar, pela teimosia de nunca me desejar. E isso é burrice, minha cara, mas nunca cheguei a dizer-te que poetas eram homens espertos.

20/09/2011

Certa noite


Ela não reclamou da vida
Como era sempre de se fazer
Ele não exagerou na bebida
Nem se exaltou como era de se prever

Naquela noite de poucos encantos
Com bêbados caídos pelos cantos
Mais uma reunião de desinteressantes
Suados, altivos e dançantes

Só tão diferentes seria aos dois
O que normalmente era o depois
Corpos unidos pra prevenir solidão
Vermelhos e sôfregos no apelo de irmãos

E já tão separados da multidão
Os únicos que tocavam as mãos
Com a cordialidade que só o desejo trás
De quem doa querendo sempre mais

Pra trás deixavam os loucos
Que na solidão compartilhada veêm liberdade
E na manhã seguinte com gritos roucos
Vão-se embora sem lembrar a identidade

No silêncio entre encontrá-lo ou perder-se
Ela riu como nunca ria
E ele sem poder deter-se
Abraçou-a na noite fria.

19/09/2011

Cálculos e Exceções


Passava insone úmidos anoiteceres com jarra e copo d’água fazendo-lhe companhia, e na falta de afazeres planejava relações futuras que nunca – agora repetia já sem remorso algum –, nunca viria a ter nem porventura.

Nasciam-lhe conversas inteiras nunca verbalizáveis. Às vezes tão pouco falava, pela consciência de que quem muito fala pouco diz. Era só uma regra, das muitas em que não se devem procurar exceções, já tão escassas e perdidas entre mil coisas que tomam forma literal do que provavelmente aconteceria se.

Infelizmente, digo, é uma pena, mas temos de seguir as probabilidades, a mulher pensa também sem remorso. As coisas acontecem, como já sabemos, porque nelas existe o quase tangível de sua causa somada a influência de outros tantos fatores que tornam reais os fatos que um dia podem ter habitado o imaginário de qualquer um.

Ela errava porque estava sempre em busca da exceção. Era dessas que gostam de contestar regras e torná-las frágeis. Já tão frágeis essas moças. Já tão burras em lutar contra a maré dos acontecimentos, probabilidades e cálculos matemáticos, os quais nunca entedera, que derrubavam suas teorias com as quais acreditava fazer ceder o mundo inteiro. E sempre ela própria cedia de suas más escolhas ao mundo.

E já a mulher tanto inventou, dissimulou os fatos e os enredou – por burrice, hoje admite – em seu corpo, e às mentiras se prendeu pra não ter de dizer a ninguém o quão pouco sabia de si. A mulher nunca disse a si própria. Por isso, nas probabilidades, erros e histórias muitas, sobre medo de lá na frente nada do que previu acontecer, lhe ocupavam a mente enquanto ela própria se abandonava. Acreditava, já para evitar decepções, que o mundo era feito das contas que ela nunca compreenderia e das obviedades que nunca desejaria. Já sem remorsos.

08/09/2011

Deixar viver





Cansei de tanto acreditar
Que o importante é não viver
Se for pra tentar e errar
E dos próprios erros me esconder.

Quanta ilusão já alimentei
Por fome de quem hoje desprezo
Vida de quem pensa que é rei
Mas vive pra nutrir o ego.

Quanta habilidade já reprimi
Por preconceito ou até orgulho
Por isso calei, fingi, e sorri
Por estar em cima do muro.

Quanta crítica já esmaguei
Acreditando estar errada
Só hoje reconsiderei
Melhor inibida, que puta escancarada.

Quanta risada já forcei
Sem graça achar em nada
Mas fiz por medo, de novo
De ser eu a errada.

Já muito do que escrevi apaguei
Por não achar apropriado
Nem tema, nem palavreado
Por isso ninguém soube que acreditei

Que esconder fosse tudo na vida
Todo medo, desamor, ferida
E no fim só me arrependi
De tudo que não fiz ou vivi.