02/07/2011

O criador e sua história


Louise criara uma lei própria: a de não fazer amor com Sr. Magnus quando ele chegasse depois das dezoito horas em casa. Era seu jeito de pedir mais tempo ao lado dele.
Boa parte dessas noites o senhor passava em companhia do telescópio, não a cometer o ato bobo de contar as estrelas, pois já passava as manhãs e tardes ao lado dos números e notas no banco. Gastava as madrugadas criando em seu gabinete, ao lado da janela, com pilhas de folhas sobre o colo, o destino – ou a rotina como queira chamar – do mundo.
Dona Cornélia, vizinha do apartamento frontal, tinha mania de trocar direita com esquerda. Sem a menor noção de direção, quando fora fazer exames rotineiros, lhe foi indicado “entrar na primeira sala do lado direito a enfermaria”. Tomando o rumo contrário, entrou na ala azul, que ela, por inexperiência em hospitais, não sabia ser onde ficavam os portadores de câncer.
Conhecera Luzia, moça fina, ruiva, de longas pernas e olhos sempre delineados, que todo dia tinha pesadelos e acordava com a cama em labaredas. Os olhos eram preenchidos por água que caía sobre os fios finos e frágeis que não cessavam em tombar no travesseiro. Fora até uma cabeleireira que lhe recomendara raspar tudo de uma vez e substituir as longas chamas por uma peruca mais escura, ou loira, quem sabe?
Luzia, ao mesmo tempo em que perdia os cabelos, ganhara a amizade fiel de Cornélia. Ela passara a acertar as direções, vendo Luzia no cantinho de papéis de parede azul, no lado esquerdo do hospital e do peito. Juntas, compraram uma peruca azul, para que Luzia pudesse se confundir com o céu quando lá chegasse.
Magnus pingava um ponto final na história de hoje, vendo Cornélia pentear o cabelo que branqueava na raiz. Os olhos piscavam a escorrer o mesmo que caía dos de Luzia toda manhã, no mesmo instante em que Louise decidira abrir uma exceção. Só desta vez.

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