27/06/2011

(re)inventando


Põe mais alegria no texto, Dona. Tira essa angustia que ele causa no fim, escreve um desses finais felizes. Tu até escreves bem, Dona, usa as palavras de um jeito que me incentiva a chegar até o fim quando eu simplesmente despenco, lendo essas tuas tragédias. Me apresenta uma personagem feliz pelo menos, me deixa conhecer uma menina dessas iguais a ti que não acabem sozinhas e desamparadas, Dona. Me aconselha Dona, como é que eu faço pra mudar um dos teus fins? Como é que eu faço pra entrar num desses teus contos e ser o sal dessa tua vida morna? Me fala, Dona, ou me explica com quem eu falo pra conseguir um posto. Me arruma um lugarzinho minúsculo na tua trama, que eu viro tua personagem principal, Dona, que eu viro a razão dos teus sorrisos. Ri pra mim, que eu te conto uma infinidade de piadas. Só não faz graça de mim, Dona, minha intenção é dessas de felicidade, não igual teus escritos cheios de pregos e felpas. Abre pra mim um espaçinho, uma linha, deixa um travessão sozinho numa página em branco do teu livro pra que eu possa falar umas coisinhas sem nexo igual teus pensamentos filosóficos. Vai, Dona, me tira do fundo do teu baú e me inventa de novo antes que eu me perca e vire só mais um dos teus rascunhos inacabados.

20/06/2011

Em carta


Acho que a gente teria muito pra conversar. Sem serem aquelas confissões chorosas, na caça de uma explicação pra ti se desculpar consigo próprio por uma decepção. Acho que amigo nunca morre pra quem o considera irmão, porque enquanto o sangue corre parece que ainda existe... Não sei, instrumentos pra se fazer um túnel do tempo.
Mas, da mesma forma que tu foste embora pra outro país, eu fiz aqui um mundo só meu. Sabe o quanto sou possessiva, tu lia no horóscopo e apontava com o dedo sujo de cola pras palavras “cuidado com o ciúme”. Adorava me dizer quais eram meus erros, acho que mesmo sem saber a resposta certa. E eu aqui, querendo poder dizer isso logo pra ti, que tanto me acusava da arte do "achismo". Eu, o tempo todo cogitando mil hipóteses e versões de mim.
Sabe que estava certo? Sempre achei de mais. Só que, agora, posso ver a certeza diante dos olhos, como te via, com o cabelo amarelo igual limão, subindo em árvores e mostrando como se faz. Escuto o som da certeza, as buzinas em volta do carro, como ouvia tua risada amistosa de deboche, que não me permitia sentir raiva nem por um segundo. E eu nem sei porquê. Nunca soube. Eu, dona de todos os ‘talvez, quem sabe’ do mundo.
Queria saber onde está, mas acho que isso não daria certo. Sempre gostou de mudar de casa com freqüência, e te descrever pra ti mesmo só não é mais tolo que escrever pra ti, por isso vou logo ao que interessa.
Queria, pela última vez, ouvir as provocações por causa dos caras magros de mais com quem eu saía, ver teu sorriso de furinho no queixo pra ironizar a fala das pessoas nas ruas. De um jeito ou de outro, se voltasse ao dia de ver-te pegando a mochila preta e correndo pra não perder o ônibus, teria te parado nem que por dois segundos pra agradecer e... pedir uma visita, dali uns cinco anos quando eu soubesse exatamente o que dizer. Como sei, desse jeito torto, agora.


13/06/2011

Resumindo-te


Não suporto seus dedos cheios de calos das noites a manusear uma caneta qualquer, nem seu cinismo mal educado. Me irritam tuas músicas que não me saem do pensamento, e até tuas faltas mal justificadas. Ultimamente, veja bem, até minhas próprias idéias - feito líquido grosso impermeável na tua cabeça – me causam incomodações, minhas histórias com toques surreais não me satisfazem mais a imaginação que, com mais calos que tuas mãos, é usada e reusada tentando achar o fim do labirinto. Qualquer barulho me tira a atenção, qualquer mentira me interessa e qualquer pessoa é capaz de me roubar o sossego. Tu me disseste, certa vez, que quando te sentia assim era por causa das dosagens de um dos teus remédios, pois não perdia tempo lendo a bula. Eu ria a procura da tua bula e, por falta dela, só aumentava minhas doses líquidas de ti. A vida sempre me presenteou com somas maiores de ironia, olha só, agora sem o remédio minha cabeça virou bomba-relógio. Tu, a me indicar outro qualquer, um desses teus amigos cheios de dinheiro no banco e ternos pretos no roupeiro, com indicações pra uso e idéias machistas completando-lhe o âmbito. Ombros abertos para o mundo, cabeça fechada pras minhas justificações pra ir embora; tu a me olhar do outro lado da rua, com um daqueles sorrisos de quem sabe tudo, mas não diz nada. Veja que seu amigo acabou sozinho a esperar um carro que o despachasse para qualquer outro lugar do mundo, o qual não precisasse conviver com tipos como eu, uma dessas feministas exageiradas. Palavras dele próprio, antes que me acuse também de mentirosa, já que chamaste minha escrita de tipicamente feudal. Com tantas ofensas poderia ter sumido da tua vida sem avisos antecedentes. Foi então que eu percebi que te avisando, não ia precisar recorrer aos teus mil e um arrependimentos vestidos de ofensas amadoras. Se for pra me pedir desculpas, prove o quanto vale ou não a pena te perdoar. Já falei: não vale nem um pouquinho te perder.

05/06/2011

sem meio termo


Reconhece uma palavra errada de longe, mas dificilmente vê o que há por trás de rostos. Ri de alguém logo de começo, mas nunca vai amar alguém à primeira vista. Fala mal porque nada lhe agrada de imediato, e, por isso, não aceita ninguém com seus defeitos mesquinhos. Corta, de forma pouco afetuosa, todo o tipo de relação que não lhe some na conta bancária e, justamente por causa desses excessos lá fora, pouco há lá dentro. Vive os domingos ao lado das notas, escuta só o som das moedas caindo umas sobre as outras, cheira só o verde que não vem da terra - e vai acabar em baixo dela sem saber o significado da palavra viver.