03/04/2011

você, o terno e as flores


Um sussurro inaudível, um juramento infantil, daqueles promete que vai ser feliz por mim mesmo que sem mim do outro lado da linha, respondido por silêncios amargos de quem quer mais. Pode até demorar pra atender o telefone me respondendo que tá dormindo faz tempo, o remédio fez efeito e falar um daqueles palavrões baixinhos porque vai perder o sono, precisando de mais um comprimido, copo de whisky ou mais uma puta pra amanhã apresentar com perfeição o projeto que um bando de caras de terno d&g que nadam em dinheiro vão criticar pra no fim roubar a tua visão e construírem casas espaçosas pra gente ocupada de mais, te pagando uma ninharia que só dá pra pagar putas, remédios e whiskys.
Eu já falei pra você, larga isso tudo, compra uma kombi e vamos vender rosas nas portas de todas as casas que você desenhou, juntar dinheiro e morar no Hawaii. Viver as férias que você se promete à séculos e não tira de jeito nenhum.
Tô amaldiçoando toda vagabunda de saia menor que a sua mão que entra dia após dia pela sua porta e sai levando um pouquinho do que você passa o dia inteiro suando e reclamando pra conseguir ganhar nas mãos/bolsos/calcinhas. Tô mandando às favas as suas desculpas de que não muda de vida e não vai morar comigo numa cidadezinha com arranjos de flores nas janelas porque não tá preparado pra largar da vida agitada, do ritmo corrido, mas eu te faço rir tanto e tu me queres tão bem que não precisa acabar assim.
Existem finais felizes - até pra quem não gasta um segundo os planejando - e existe eu pra te esperar tomar jeito e todas as cervejas do bar da esquina e vir me encontrar em algum restaurante cheirando a cigarro, com vontade de vomitar toda a bebida e cuspindo toda a frustração de tanto trabalho nos meus ouvidos. Escuto tudo atentamente e te imagino sem aquela nuvenzinha de tensão pousando sobre a cabeça, a expressão irritada e o terno fedido, deitado no sofá do meu apartamento. Você briga mais uma vez, bufa que eu não te entendo e procura compreensão em alguém que pouco fale e muito faça, me larga em casa como o cavalheiro que não quer ser perto dos amigos, mas que se transforma quando pensa na sua vida daqui dois anos mais, sem mim e as minhas piadas de rosto vermelho pra te fazer esquecer tudo enquanto você me esquece.
Já adormeci inúmeras vezes enquanto você fazia círculos com o indicador na palma da minha mão explicando que com mais uns tantos meses de trabalho, compra o carro dos sonhos e depois me leva pra Flórida, Espanha e passa por cada lugarzinho que eu nem sabia que existia pra me provar que o mundo é maior que o meu quarto, eu penso pequeno, não tenho perspectiva, você diz. É que você já falou tanto e fica mais lindo a cada vez que diz a palavra perspectiva que eu já desisti de pedir pra parar e escutar que a minha maior ambição é eu, a kombi, as rosas e você, simples assim.
Eu peço mais uma vez um milhão de desculpas por te acordar no meio da noite pra saber se não conseguiu dormir de novo, mesmo que meu motivo de insônia seja você e o seu as contas à pagar no fim do mês. Desligo com o barulho oco e a vergonha por amar quando você me acorda querendo saber quem era o cara que eu andava conversando alto na rua certo dia, esquecendo o fato de que ele é meu primo.
Dou tchau pra você, me despedindo de um pedaço meu que diminui todo dia quando não tenho notícias suas e que multiplica de tamanho sempre que você me promete um minuto do seu dia, cheio de piadas amargas saltando faíscas pra contar e com a minha promessa de que tudo vai ficar melhor, o mundo é bom, as coisas mudam – menos você.

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