30/03/2011

Escapamento


Hoje eu não to pra músicas, livros, comidas ou filmes, meus compromissos, minhas birras nem nada que me distraia dos pesos que eu passo evitando lembrar que carrego ou pra essas desculpas que me adiam recordar que é desse modo que pessoas como eu levam suas vidas. Hoje eu não quero chorar. Nem rir, na verdade. E se me perguntar o que eu quero, é verdade que eu não vou ter nenhuma resposta pronta ou concreta, só quero achar um lugar onde tenha um vaso sanitário que tenha um bom espaço e leve o esgoto pra o lugar mais longe que existir de mim. Quero que jogue em outro planeta esse medo de seguir qualquer coisa que eu comece. Dizem que é vaidade, ignorância ou covardia, e eles têm listado o milhão de coisas que me falta e só o que eu percebo que não ta aqui e eu preciso é desse buraco ou desse esgoto ou desse rio onde caiba o que eu quero pôr fora sem nem me importar se o mundo inteiro vai ficar sujo pra que eu possa me limpar. Então, talvez possam dizer que eu sou egoísta, mesmo que eu já tenha parado de me importar com os estereótipos, to ouvindo tudo pra o meu egoísmo não mutar pra cinismo, depois de eu tanto te criticar pela falta de importância crônica com o que vai acontecer. To planejando faz tempo, e olhe bem, nem sabia que ia tanto precisar de um espaço vazio tipo uma vala bem funda igual um deserto pra habitar com o que eu não sei o nome, mas eu sei que pesa.

25/03/2011


Acontece que com o tempo a gente vai aprendendo que o certo é chorar sem lágrima, é gritar sem voz. Sabe, doer suportando, segurando, dando um nó cego naquele fio minúsculo de culpa que nasce da gente com a intenção de crescer e nos enforcar na nossa própria casa. E parar com esses esforços pra se encaixar, minha forma não dá certo em nenhum desses cubos, sempre vai faltar um pedaço, e, quando sobra, me pedem pra cortar sem dor, ignorar o sangue que sai sem cor. Mas, se eu parar de comprar causa pra brigar e princípio pra defender, se eu cansar e desistir de ver em tudo um inimigo armado pronto pra ataque, e se eu parar de me cansar e de me entediar com o que anima todo mundo, então eu repenso tudo o que eu tenho afirmado pra mim nesses últimos tempos como verdade absoluta, vendo no resto só mentira. Até lá, vou seguir acreditando na minha burrice, sendo cabeça dura, e vocês vão seguir me denominando sem ganhar ouvidos ou alguém pra se importar.

09/03/2011

meu julgamento


Agora, as pessoas têm me dito que eu tenho medo do que eu falo, do efeito e do impacto que as palavras têm quando outra pessoa as escuta. E porque não? Me dou o direito de temer, e tenho receio quanto ao que as pessoas vão pensar. Idéia hipócrita essa de quem diz não se importar, um pedaço seu sempre quer consideração. Uma parte sua sempre é hipocrisia, sempre é essa mentira que você acha bonito de contar, por baixo desse pano e do teu sorriso, da tua cara disfarçada de alegria e do sentimento que tem dentro do teu bolso. Mentira é realidade provisória, essa que a gente altera com pensamento e não precisa mexer a bunda da cadeira nem pagar pra ver nem arriscar a cara pra bater nem ter medo de apanhar. Assim fica fácil esquecer a existência das máscaras, que Clarice dizia serem parecidas com a gente: com carnaval ou sem, elas estão lá, intactas, cobrindo suas faces e tapando seus buracos. Estancando sangramentos. Escondendo tuas vergonhas, cobrindo tua nudez. Abrigando no seu interior úmido e fétido, as coisas que apodrecem justamente por estarem ali dentro, donas da segurança discreta das epifânias. E, mesmo nesse amontoado de pessoas se cobrindo com medo de si próprias, eu tenho medo de pensar no que pode acontecer. Olho de canto de olho o futuro, ignorando sua fugacidade em me engolir e me esfregar nos olhos a pimenta da percepção dos meus erros, com uma expressão debochada e um risinho de “eu te avisei”. E eu tenho dito que ser maior é, mesmo quando a realidade me apertar contra a parede e o futuro virar presente me mostrando seu cinismo - esse que as pessoas que só te ajudam te mandando parar de sonhar usam -, seguir nessa minha falta de reação, assumindo a velha postura clichê de "levantar a cabeça e seguir andando". E ria de mim, veja meus defeitos, aponte minha exposição. Eu não ligo. Eu assumo, agora não dá tempo de fugir e deixar pra amanhã. Tudo tem esse gosto de que é cedo de mais pra gritar o fim do mundo, mas irremediavelmente tarde de mais pra fugir e esperar em baixo da mesa, da cama ou da saia de alguém, pra sair de lá intacto com ar de herói que não precisou lutar pra mostrar a sua grandeza. Se é pra ser grande, aprende a não se importar e se aposse das máscaras, disfarces e maquiagens que encontrar por aí e chame como quiser, pra mim é isso: mentira doce. Não me engano desse jeito, não engano ninguém... E, se pudesse, seria a mim mesma pra fingir que o mundo não é assim e perder essa vontade de abraçar as pessoas e dizer que tudo vai ficar bem, sua mãe já vem, o câncer não vai matar seu avô, seu pai não vai falir, e eu não minto pra ver tua boca virar em sorriso. Agora eu fico parada, quieta, vendo esse mar de gente indo embora e esse punhado de gente chegando e ninguém despindo a armadura ou entregando confiança nas minhas mãos: nada vem de graça; eu pago meu preço, com acréscimo e juros. Eu acredito no que você fala e pago pra ver de novo. Me engano, eu sei, me endivido comigo mesma, mas tenho orgulho do meu risco, aprecio a minha causa. Não desdenho a sua também, conseguindo o que quer e não perdendo nada pra ninguém, não ganhando dor de cabeça, não perdendo noites de sono. Eu prefiro mesmo ficar aqui, não me leva contigo e com a tua capacidade de não se importar. Me deixa ser ridícula, patética, à caça do que me move e do que me mantém sã perto desse lixo todo que eu vejo nas mãos de vocês, mas eu sei pelos seus olhos que nem vocês acreditam. Enquanto isso, eu deixo vocês verem a evidência do que eu faço, na transparência do que eu sinto, o que eu sou de verdade. Sem sustos e sem urgências, o que me torno e o que insisto em não abrir mão pra não perder a lucidez, com o que me machuca, e mesmo que eu minta pra não trazer culpas, você sabe que dói. E ta aí: se te dói, é porque te importa.