27/12/2010

O que faz falta


O carro quebrou, a conta bancária estourou, você caiu aquele tombo vergonhoso em frente ao colégio inteiro, tomou o porre do ano, criou a briga que foi o comentário da cidade por semanas, o seu melhor amigo não ligou, o namoro acabou, o poste de luz da esquina foi atingido, a internet caiu a tempo de impedi-la de ver o “oi” tímido que ele finalmente falou, seus pais discutiram, seus avós adoeceram. As coisas apresentam-se erradas, você prevê que não vai parar por aí. Certamente mais coisas ruins estão por vir. Catástrofes, brigas, o mundo conspirando contra você e tudo fazendo questão de dar errado.
Não, chega de colocar a culpa no mundo, dessa vez não. Talvez seja você, com esse temor das coisas irremediavelmente novas, quem estrague tudo. Talvez seja esse medo invisível que senta-se ao seu lado na mesa ao café da manhã e instala-se na sua cama zelando seu sono à noite quem acabe com tudo, afinal. Talvez seja a sua desconfiança das pessoas que se aproximam, a descrença nas suas boas intenções e a covardia exposta em seus olhos quem denunciem que você não está preparada para o mundo lá fora, ou, quem sabe, o cansaço que se materializa em poços fundos sob seus olhos, causado pelas repetições diárias quem indica que você nem ao menos aprendeu a conviver com as próprias mudanças, menos ainda se adaptou a viver onde é mais fácil ser descarado do que tímido, inconstante do que preocupado, grosseiro do que amável.
O bom seria se surpreender, finalmente admite. Surpresas tristes, alegres, espantosas ou mesmo banais, que te façam estremecer, perder o fôlego, sair aos berros pela casa, tropeçar em palavras, abrir e fechar os lábios em encontro ao vazio do espanto. Tudo, tudo menos essa falta de entusiasmo que se tem apresentado no tédio de viver.